Sumário de culpa realizado na vila de Lages, na época sob a comarca de São José.
Partes do processo:
A Justiça (autora);
Firmino Gondim (réu);
Francisca de Lemos de Souza (proprietária);
Maria (escravizada; menor de idade; vítima).
Jurados:
Antonio Ribeiro dos Santos;
Antonio Waltrick;
Diogo Teixeira Nunes;
Estacio Borges da Silva Mattos;
Firmino José Nunes;
Francisco José de Oliveira Lemes;
José Rodrigues de Souza;
Lourenço Justiniano Pessôa;
Manoel de Souza Machado;
Marcos Baptista de Souza;
Miguel da Silva Pompeo;
Modesto Ferreira de Araujo.
Resumo:
Este sumário de culpa foi movido pela Justiça contra o réu Firmino Gondim.
Firmino morava na em Olaria, na vila de Lages; era natural de Laguna e filho de Gaspar Gondim. O fato criminoso ocorreu na tarde de 8 de setembro, quando Firmino estava na casa de Francisca de Lemos, que morava perto da Olaria. Por volta das 14h, Francisca saiu da casa, deixando sozinha na residência as duas escravizadas menores de idade que possuía, sozinhas o réu. Então, munido de uma faca de ponta, Firmino avançou sobre uma das garotas escravizadas, Maria, de 8 para 9 anos de idade, descrita como “crioulinha”; e lançando-a ao chão, violentou-a.
A denúncia não menciona agressão, explicitamente; mas Maria foi encontrada em estado grave, tendo sangrado muito. O escrivão alegou que, caso não tivesse sido encaminhada ao hospital, Maria teria falecido. O crime cometido por Firmino foi indicado como inafiançável na denúncia, que pediu pela prisão imediata do réu. Na primeira audiência, nem a vítima e sua senhora compareceram, tampouco Firmino; o réu não foi encontrado, pois foi à capital (Desterro).
Em seguida, foi feito um um auto de perguntas, em que a vítima Maria prestou depoimento. Ela disse ser natural do “Continente”, que era filha de Rita, e que sua mãe também era escravizada por Francisca de Lemos. Quando perguntada sobre o fato criminoso, Maria disse que Firmino forçou-a violentamente contra a parede. O interrogador perguntou a ela sobre se ela tentou defender-se ou gritar por ajuda. Porém, a depoente disse que por ser uma criança pequena, não conseguiu resistir à força do agressor Firmino. Além disso, informou que o agressor retirou-se para casa logo depois de deflorá-la.
O depoimento da vítima foi sucedido pelos relatos das testemunhas e dos informantes (os “informantes” são depoentes que não prestam juramento, pois não são considerados plenamente “idôneos” por possuírem interesse na causa; porém, seus relatos ainda desempenhavam relevância). A primeira, a segunda e a quarta testemunhas apenas ouviram falar do acontecido, e relataram versões que corroboram com a denúncia. Porém, a segunda testemunha, o farmacêutico inglês Roberto Sanford, afirmou ter visto a cena do crime, e viu Maria prostrada. Sanford descreveu detalhadamente a violência cometida contra Maria. Os informantes também providenciaram relatos que apoiaram o conteúdo da denúncia.
O promotor público considerou que as testemunhas e informantes produziram indícios suficientes para pronunciar Firmino como incurso. O juiz entendeu de acordo, sujeitando-o à prisão e livramento; e ordenou o escrivão a passar mandado de prisão contra Firmino, lançando-o no rol dos culpados e cobrando dele o pagamento das custas do processo.
Na sequência, foi movido um libelo crime acusatório pelo promotor público, referindo-se à condenação de Firmino. Nele, consta que a pena seria afetada pelo agravante de o réu ter “superioridade de sexo” (masculino), mas que também seria amenizada pelo atenuante de o mesmo réu ser menor de 21 anos. Logo, o promotor sugeriu que Firmino sofresse as penas em grau médio.
O processo seguiu, então, para ser julgado no tribunal do júri. Foram sorteadas 48 pessoas para servirem de jurados, mas apenas 39 compareceram à sessão de abertura do julgamento. Logo, o juiz presidente do tribunal do júri abriu os trabalhos, e anunciou as multas para os que deixaram de atender à sessão. Por não ter quem defendesse o réu, o major Antonio Saturnino de Souza e Oliveira foi nomeado para desempenhar essa função.
Foram, então, selecionados 12 jurados dentre os 39 presentes, para formar o conselho de sentença. Um menor de idade, Domingos, foi convocado para retirar as cédulas da urna, sorteando-os. Após serem subtraídos alguns dos jurados sorteados pelo promotor público e pelo procurador defensor do réu, os jurados selecionados ficaram encarregados de ler os artigos da lei necessários para, então, darem seus veredictos.
Durante o interrogatório, quando perguntado se sabia o motivo pelo qual era acusado no processo, alegou não entender do que se tratava, e que pediu por esclarecimentos mas sem tê-los recebido. Quando interrogado se tinha cometido o crime de que trata o processo, o réu afirmou que estava em sua casa, doente de “grande moléstia”, e portanto não teria sido o autor do fato criminoso.
Após ter sido ouvido o interrogatório do réu, os jurados se instruíram sobre os procedimentos, e se retiraram da sala pública para a sala secreta para deliberar sobre o julgamento. Ao retornarem, anunciaram o veredicto em voz alta, em que absolveram o réu de todas as acusações, por maioria absoluta. Os jurados julgaram que a vítima Maria, de 9 anos, “não era mulher honesta”. O juiz, conformando-se à decisão do júri, expediu alvará de soltura para o réu, e a responsabilidade pelas custas do processo passou para a municipalidade.
Atuaram no processo:
escrivão Constancio Xavier de Souza;
escrivão interino do júri Theodorico José Corrêa;
delegado de polícia e juiz municipal José Nicolau Pereira dos Santos;
juiz de direito da comarca e presidente do tribunal do júri Joaquim José Henriques;
oficial de justiça Antonio Pereira dos Santos;
oficial de justiça Cassiano José Ferreira;
oficial de justiça Francisco Ribeiro de Camargo;
oficial de justiça Gregorio Antonio;
porteiro do júri e signatário Domingos Leite;
procurador major Antonio Saturnino de Souza e Oliveira;
promotor público interino Antonio Ricken de Amorim.
Localidades relevantes:
Continente;
Olaria;
vila de Lages (atual município em Santa Catarina);
cidade de Laguna (atual município em Santa Catarina);
cidade de Desterro (atual município de Florianópolis, Santa Catarina);
comarca de São José.
Compõem o processo:
audiências;
auto de perguntas à ofendida;
certidão de incomunicabilidade entre os jurados;
contas;
cópia de edital de abertura de sessão do tribunal do júri;
denúncia;
libelo crime acusatório;
mandado de prisão;
mandados de intimação;
termo de abertura da sessão de julgamento;
termo de interrogatório ao réu;
termo de juramento de defensor do réu;
termo de juramento do júri de sentença;
termo de reunião do júri;
termo de sorteio do júri de sentença;
testemunhos;
tribunal do júri.
Variações de nome:
Fermino Gondim (réu);
escrivão interino do júri Theodoro José Corrêa;
escrivão interino do júri Theodorio José Corrêa;
testemunha Roberto Sanfort.