Processo Crime realizado na comarca de Lages, à época sob o tribunal de relação de Porto Alegre
Partes do processo: Pedro José Leite Júnior (autor); Francisco Victorino dos Santos Furtado (réu).
Resumo: No contexto histórico da cidade de Lages, situada no planalto catarinense, registra-se um episódio emblemático que ilustra as tensões entre poder político, honra pessoal e os limites da justiça local. O caso envolve dois cidadãos, Pedro José Leite Júnior, o autor da ação, e o Francisco Victorino dos Santos Furtado réu — este último exercendo o cargo de vereador municipal.
A controvérsia teve início quando o autor, morador na freguesia do Bagual, apresentou queixa-crime alegando ter sido agredido fisicamente com um chicote de cavalo e verbalmente com injúrias públicas, em plena praça da cidade, o autor inclusive ordenou que seu escravizado preguice o réu em retaliação, tendo seu escravizado o seguindo pelas ruas da cidade. O juiz competente, diante da gravidade dos fatos e da repercussão social, acolheu a denúncia e deu início ao processo.
Não obstante, o réu, valendo-se de sua posição política e acesso à imprensa, publicou um artigo no jornal local "O Conservador", no qual, segundo os autos, faltou com a verdade, buscando influenciar a opinião pública e deslegitimar a acusação.
Durante o inquérito, foram ouvidas diversas testemunhas, e o magistrado, em sua análise, procedeu à distinção entre os conceitos de injúria, difamação e calúnia, concluindo que os atos praticados não configuravam imputação falsa de crime, mas sim ofensas de caráter pessoal.
O juiz declarou nulo o processo, decisão que provocou reação imediata do autor, o qual ingressou com petição de reconsideração, insinuando má-fé e alegando que o juiz seria leigo, tendo se utilizado de uma suposta "hermenêutica sertaneja" — expressão que, embora carregada de sarcasmo, revela o embate entre saber jurídico formal e práticas interpretativas locais.
Após nova rodada de oitivas, o juiz reafirmou que tanto a agressão com o chicote quanto as injúrias verbais possuíam natureza pessoal, não se enquadrando como calúnia. Os promotores do caso concordaram com a conclusão, e o processo foi finalmente encerrado.
Este episódio, além de ilustrar os desafios da aplicação da justiça em contextos interioranos, revela o papel da imprensa, da política e da cultura local na construção das narrativas jurídicas. A expressão “hermenêutica sertaneja”, embora irônica, convida à reflexão sobre os modos de interpretação do direito em espaços onde o saber jurídico formal convive com práticas sociais profundamente enraizadas.
Atuaram no processo: escrivão Joaquim Rodrigues de Athaide; escrivão José Luiz Pereira; juiz José Manoel de Oliveira Branco; promotor Francisco Victorino dos Santos Furtado.
Localidades relevantes: cidade de Lages; comarca da Capital; freguesia do Bagual.
Compõem o processo: rol de testemunhas; copia de autos.